Meses, cores e clichês

fitas-coloridas

Eu estava vendo tv agora a pouco quando dei de cara com a informação de que estamos no “Julho Verde”. Pensei que fosse algo de ecologia, coisas assim, mas era para conscientizar sobre o câncer de cabeça e pescoço. O assunto é importante, claro. Mas fiquei pensando nessa coisa de relacionar um mês a uma cor e a uma causa específica.

Tudo começou com uma boa ideia: Outubro Rosa. Relacionar um período, um mês específico, a uma causa, com reforço visual (no caso, a cor) que representasse claramente o público relacionado. Mas isso não foi invenção de brasileiro. De acordo “com o Google” na pesquisa de menos de 5 minutos que fiz, no final do século, vários estados norte-americanos concentravam esforços isoladamente durante o mês de outubro, com ações para conscientização e tratamento do câncer de mama. Por esse motivo, o governo americano decidiu oficializar o mês para esse fim. A ideia do rosa surgiu de uma ação da “Fundação Susan G. Komen for the Cure”, que distribuiu aqueles conhecidos laços rosa para os participante da “Corrida pela Cura” em 1990. Mesmo com as coisas mudando hoje em relação ao que é de homem e o que é de mulher e cores, naquela época ainda era muito forte a relação da cor rosa e o feminino. Pronto. Estabeleceu-se nos EUA, acabou se espalhando por outras partes no mundo – e claro, no Brasil, que adora as coisas que americano faz.

Independente da origem, a campanha foi muito feliz. Adequada, aparentemente ano a ano vem atingindo precisamente seus objetivos de conscientização.

Depois fizeram algo similar para a conscientização sobre o câncer de próstata: novembro azul. Parece funcionar também. Mas uma coisa tem me incomodado:  Desde o início do ano tenho visto a repetição da fórmula: mês + cor = causa. E não apenas na saúde. Dá uma olhada na lista que encontrei em um site do Departamento de Física Unicentro (?!):

lista

Dando mais uma olhada por aí, encontrei Fevereiro Roxo e Maio Roxo. E novembro roxo. Duas dessas eram referentes a Lúpus, Fibromialgia e Mal de Alzheimer. Uma era pela conscientização Doença Inflamatória Intestinal. E, assim como julho verde, não aparecem na lista acima.

Não digo que se deva criar uma regra rígida sobre esse formato de abordagem / campanha. Estou refletindo aqui sobre a eficiência da ideia se aplicada a muitas causas. Quando apareceu primeiro o Outubro Rosa e, depois, o Novembro Azul, o bagulho aí foi totalmente eficiente. Qualquer pessoa que desse de cara com a Ponte Estaiada (SP) iluminada de rosa acabava se lembrando do que se tratava. A referência foi forte. Rosa = mulher, azul = homem ainda são referências fortes na nossa cultura e não podemos negar essa verdade. Está mudando, mas ainda possuem esse significado. Algum mês vermelho tem força no significado para doação de sangue.

Mas quando esse tipo de relação virou clichê, com muitas campanhas similares, a sua eficiência foi prejudicada. Tem o Agosto Azul e o Novembro Azul. Uma pela saúde do homem e a outra pelo câncer de próstata. Daí eu vejo a Ponte estaiada ficando azul… pronto. Não tenho mais certeza do seu significado.

Informação demais, no final, diminui a força da comunicação, pode confundir. Quando todo mundo começa a usar a mesma “fórmula”, vira clichê e, ao invés de se diferenciar, perde a força, torna o argumento fraco, deixa de chamar a atenção, vira paisagem. Dizer que mês x ou y é o mês desta ou daquela causa ainda pode ter o argumento histórico, para lembrar algum fato como a descoberta do tratamento eficaz, mês de aniversário do cientista que descobriu a doença entre outros fatos que, aí sim, reforçam a comunicação. Ou um argumento factual, como a sazonalidade da doação de sangue, cujos bancos têm maior baixa nos meses de férias e precisam de campanhas de conscientização nestes períodos.

Meter cor em tudo virou clichê. Fórmulas, em comunicação, funcionam em alguns nichos e por um determinado período. Observando os movimentos nos meus quase 20 anos de publicitária, a sensação que tenho é similar a quando vejo essas “pirâmides” de vendas: os primeiros ganham muito, conquistam muito. Porque é novidade, pouca gente conhece e todo mundo acha legal. Mas daí um monte de gente aparece oferecendo a mesma “novidade”, com o mesmo discurso, as mesmas fórmulas, o público começa a ignorar a mensagem.

Tem a ver com aquilo que o cérebro faz, que é eliminar a informação já conhecida. Muitas vezes fazemos as coisas do dia a dia sem nem perceber. De repente não temos certeza de trancamos o carro, se pegamos a carteira. Até dirigir, se é sempre para o mesmo lugar, vai quase que no automático. Fazemos e nem vemos. Vemos (a propaganda) e nem vemos, porque é coisa que já tínhamos visto. Precisa ser novo para chamar a atenção.

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